segunda-feira, janeiro 23, 2006

Ao Soldado Desconhecido

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Quando era puto achava que o Soldado Desconhecido era português. Pensava que era um gajo do Corpo Expedicionário que, por não haver dinheiro para lhe dar uma arma, andou à pedrada com os alemães numa qualquer trincheira francesa e que ficou para lá gaseado e não voltou. Mais tarde apercebi-me que o Soldado Desconhecido existe em todos os países e o conceito deixou de me fazer sentido.

Porque raio há-de toda a gente ter um monumento ao mesmo gajo? É uma promoção velada à traição e aos agentes duplos e triplos e quadruplos e o raio que os parta? Afinal o gajo trabalhava para quem?

E depois acho injusto que só se façam monumentos ao Soldado Desconhecido. Então e o Soldado Conhecido? Sim, esse gajo que toda a gente sabe quem ele é, e que andou por lá a apanhar uma camada de nervos e que apareceu para aí cheinho de stress pós-traumático e que agora se atira para baixo da mesa da cozinha sempre que alguém deixa acidentalmente caír um prato, e que em todos reveillons causa vários embaraços familiares pulando para trás do sofá ao som do primeiro morteiro, gritando «Oh Sousa! Olha o canhângulo Sousa... dassse pá! Amanda-te prá valeta, Sousa!». Esse gajo não merece monumentos porquê?

Que não façam monumentos ao Soldado Conhecido de Meia Dúzia de Gajos que Já Bateram as Botas eu percebo. Afinal de contas já não há ninguém vivo para se lembrar; que não os façam ao Soldado Mais ou Menos Conhecido por Meia Dúzia de Gente, ainda vá. Agora fazer um monumento a um tipo que ninguém conhece é que não faz sentido nenhum. Por este andar um dia ainda vão fazer um monumento ao Presidente Desconhecido, esse eterno não-candidato.

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